Oficinas de Culinária na Escola: Prática Pedagógica de Educação Nutricional

Mônica Glória Neumann Spinelli e Juliana Masami Morimoto

Introdução

A promoção da saúde, definida como a capacitação de uma comunidade para atuar na melhoria
de sua saúde e da qualidade de vida, deve possuir apoio educacional e ambiental, envolvendo questões individuais, coletivas e organizacionais que afetem positivamente a saúde da coletividade. Assim, a escola torna-se um espaço privilegiado para a construção de práticas de vida saudáveis em crianças, pois é um ambiente em que as ações de educação em saúde podem apresentar grande repercussão.

A criança e o adolescente passam a maior parte de seu tempo na escola e, por isso, esta deve ser considerada como cenário principal para intervenções destinadas a promover a qualidade de vida dos alunos. Torna-se, portanto, local apropriado para fortalecer a condição de sujeito pró-ativo e de diversas atividades educativas extraclasse, que ensinem noções de ética e de cidadania, respeito aos indivíduos e atitudes para prevenção de doenças. Pode se pensar que estas atividades poderiam ser aprendidas sozinhas por meio de filmes ou pela internet, porém se a criança e/ou o jovem forem ensinados junto aos seus semelhantes, o aprendizado torna-se mais prazeroso e mais eficiente. Estas práticas desenvolvidas na escola apresentam como ponto central a dimensão socializadora da promoção à saúde e o fortalecimento dos grupos tornando-os aptos a tomar decisões relativas à sua saúde de forma esclarecida.

O sedentarismo de crianças e de adolescentes resultante do grande período de tempo despedido em atividades sem movimentação, como assistir televisão, jogar videogame e ficar ao computador, e os hábitos alimentares pouco saudáveis podem resultar em um ganho de peso inadequado. A prática de atividade física  regular, assim como a educação nutricional bem orientada, além de serem fatores de proteção para doenças, também podem contribuir para o desenvolvimento das relações interpessoais e o estímulo ao espírito de equipe e à cooperação.

Para tal, a escola deve adotar estratégias pedagógicas que valorizem os recursos, as necessidades, os desejos, as crenças e os valores dos indivíduos, e que permitam a troca de experiências, o desenvolvimento do senso crítico e a construção coletiva do conhecimento. Segundo Boog é necessário que se criem espaços institucionais que garantam o desenvolvimento de ações de educação nutricional e que fujam do enfoque pouco reflexivo que marca, ao longo do tempo, a abordagem tradicional de educação em saúde. Esses espaços devem permitir o respeito à cultura alimentar e criar oportunidades em que se valorizem o cozinhar e o comer como práticas sociais no contexto da contemporaneidade. A partir dessas premissas, este trabalho possui como objetivo relatar uma experiência de educação nutricional com a utilização de oficinas de culinária.

Metodologia

A experiência de educação nutricional ocorreu por meio de um projeto denominado Mini Chef, iniciado em 2009, com a participação de 75 crianças e de seis professores da pré-escola de uma escola de ensino privado da região central do município de São Paulo (SP), conduzido por uma docente e acadêmicos do curso de nutrição da universidade ligada à mesma instituição.

Em 2010, participaram do projeto 135 crianças (quatro classes de pré-escola e quatro classes do primeiro ano do Ensino Fundamental), dez professores da escola, um docente e acadêmicos do curso de nutrição. A prática pedagógica desenvolvida por meio de oficinas culinárias foi formulada a partir de uma parceria entre a escola e a instituição acadêmica de ensino superior e o conteúdo das aulas foi adequado ao plano de ensino da escola.

As oficinas de culinária ocorreram com freqüência mensal com a duração de uma hora para cada turma, totalizando oito oficinas por turma ao longo do ano. As aulas foram embasadas na tríade higiene, saúde e alimentação saudável. Cada aula iniciava com a paramentação das crianças (touca e avental), a lavagem das mãos e uma pequena preleção sobre a importância dessa atividade. A partir desta atividade, reuniam-se as crianças em uma cozinha experimental e o conteúdo de cada oficina foi desenvolvido com a participação de todas as crianças. Em cada aula os nomes dos ingredientes principais eram escritos na lousa ou expostos em cartazes e ao final da atividade mostrava-se a pirâmide dos alimentos e a qual grupo pertenciam os alimentos utilizados na oficina. As receitas foram selecionadas a partir dos atributos: fácil execução, integrarem o hábito alimentar, agradarem ao paladar da criança e serem saudáveis.

Criança alguma era obrigada a participar da atividade e/ou consumir o(s) alimento(s), porém eram incentivadas a prová-los. Incentivaram-se também os modos adequados à mesa, a utilização de talheres e a autonomia.

Todas as receitas executadas com as turmas do primeiro ano foram enviadas para os pais ou responsáveis. Os professores tinham a liberdade de interagir durante a aula. Com isso, cada turma adquiria características próprias a partir dessas intervenções, que buscavam adaptar o conteúdo da oficina ao repertório da turma.

Os pais conheceram o projeto no início do ano letivo e foram informados sobre o desenvolvimento nas reuniões escolares ao longo do ano. No primeiro ano do projeto, incentivou-se o consumo de frutas e de hortaliças. No segundo ano, trabalhou-se com os sabores, o incentivo ao consumo de arroz e feijão e a culinária das regiões do Brasil. A última oficina do ano possui sempre um caráter festivo.

Resultados e discussão

Apesar do projeto ter sido concebido inicialmente com o objetivo de transmitir conhecimentos de alimentação saudável para as crianças, ao longo do tempo observou-se que o mesmo também foi útil para capacitar os professores da escola, pois o tipo de dinâmica aplicado permite ao participante esclarecer dúvidas sem constrangimento, além de fazer com que os acadêmicos de nutrição possam aprender, de uma forma prática, os conceitos de educação nutricional adquiridos na universidade, corroborando os estudos de Castro e col. (2007), e Yokota e col (2010), que também avaliaram de uma forma positiva a transmissão do conteúdo de educação nutricional por meio de oficinas de culinária e da importância da vivência para o aprendizado conceitual.

A culinária, no Projeto Mini Chef, é o processo desencadeante da transmissão da informação, que se
realiza de uma maneira lúdica, não somente preocupada com a necessidade estritamente biológica da alimentação, como já exposto por Castro e col. (2007), para os quais a culinária é uma forma de proporcionar uma experiência de vivência e de reflexão sobre as relações entre alimentação, cultura e saúde, pois o contexto desafiador da educação nutricional exige o desenvolvimento  de abordagens que permitam abraçar os problemas alimentares de modo mais amplo, por intermédio de estratégias que superem a mera transmissão de informações.

O conteúdo das oficinas é calcado no respeito aos hábitos alimentares das crianças e também enfoca a alimentação das diversas regiões do Brasil, pois como observa Chaves (2009), é importante que a cultura alimentar brasileira seja disseminada entre os escolares, por meio da utilização das preparações regionais para que as mesmas possam ser preservadas.

Até o momento os resultados são qualitativos, como demonstra o Quadro 1.
quadro

Outras avaliações estão em curso e serão finalizadas ao término do ano letivo, porém o envolvimento positivo da quase totalidade das crianças no Projeto Mini Chef permite dizer que o mesmo não somente deve ter seqüência como pode ser ampliado. Apenas uma criança referiu aos pais não gostar da atividade, o que segundo a mãe está relacionado à dificuldade que a criança possui com a alimentação, demonstrando que esse tipo de prática é muito bem aceita na faixa etária de quatro a sete anos.

Conclusão

A utilização de oficinas de culinária como meio de desenvolver programas de educação nutricional é factível e se mostrou uma prática pedagógica interessante, pois motiva as crianças pela participação ativa, embora exijam uma cozinha para a execução das aulas. Esse tipo de prática pedagógica remete à reflexão sobre a importância da alimentação saudável e pode ser utilizada como meio de transmissão de outros temas de educação em saúde.

Referências Bibliográficas

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Publicado na revista Nutrição Profissional 31 (Outubro/Novembro/Dezembro 2010)

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